05 maio 2007

Enquanto isso, no País das Maravilhas...

O noticiário brasileiro é, enquanto noticiário, um belo exercício de produção literária, a ponto de deixar roxos de inveja os mais adoidados autores da Literatura Fantástica. Duvido que haja, entre os romancistas, alguém capaz de elevar o absurdo e o nonsense à mais bela forma de expressão artística, como fazem os jornais, revistas e emissoras de rádio e TV nas terras tupiniquins.

E a culpa nem é dos órgãos de imprensa. As notícias de Pindorama parecem absurdas ao leitor desavisado não por serem contadas de modo absurdo, mas sim porque dizem respeito a uma Terra Encantada, onde as coisas nunca são o que parecem ou o que deveriam ser. São descrições, mais ou menos fiéis, de uma zona de imponderabilidade onde leis universais como a Gravidade, a Lógica, a Coerência e a Vergonha na Cara deixam de exercer o seu poder.

Se o leitor duvida, peço que me acompanhe numa caminhada através desses bosques encantados, a fim de nos maravilharmos com a magia das narrativas jornalísticas dessa terra de contos de fadas.

A primeira coisa absurda que vemos através da imprensa diz respeito à descoberta, no Rio Grande do Sul, de um esquema para "furar a fila" das consultas nos hospitais de Porto Alegre. Parece que, em Pindorama, os velhinhos têm prioridade no atendimento. Pois bem, alguns personagens matutos dessa fábula criaram, no interior do estado, um asilo fictício que pedia consultas verdadeiras para velhinhos fictícios e depois as vendia para pacientes verdadeiros, que não eram idosos mas tinham dinheiro para pagar pelo atendimento antes dos primeiros da fila. Até aqui, o conto de fadas parece obra de um contador de histórias mediano, como tantos Grimms que encontramos nas estantes de livros infantis. Mas o toque de classe, a sacada de gênio dessa fábula bizarra é que um dos sócios-fundadores do tal asilo é hoje assessor do líder do Governo na Assembléia Legislativa, o deputado Alexandre Postal. Incrível! Bravo! No mundo real, isso daria cadeia para o assessor e o deputado renunciaria por uma questão de vergonha na cara, sendo investigado em seguida. Mas, na Terra da Fantasia, o que acontece? Alexandre Postal declara que o seu assessor não é mais sócio do asilo de mentirinha, e que não há nada que desabone a conduta do seu funcionário. E ninguém mais toca no assunto.

Outro capítulo do romance fantástico é a entrevista dada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, à revista IstoÉ. Lá, ele diz que os deputados não trabalham tão pouco quanto se pensa. Afirma que eles precisam de todos aqueles dias longe do batente para estar junto das bases, exercendo o seu papel representativo. Indagado sobre o porquê de se conceder aumento de salário aos deputados, dando ainda mais vulto aos seus já vultosos rendimentos, ele se defende dizendo que os deputados receberam apenas um reajuste sobre as perdas da inflação dos últimos quatro (!) anos, e ressalta que os deputados não ganham muito, se comparados a outros profissionais de igual importância.

Pois bem. Noutra página da mesma revista temos uma amostra de como, no País das Maravilhas, tudo isso funciona na prática. Ou seja, exemplifica-se como os deputados ocupam o tempo destinado a exercer seu papel representativo, e como gastam o seu salário-não-tão-alto-em-termos-relativos. Conta a revista que o deputado Átila Lins, dos Democratas (sic) do Amazonas, passou um pouco do seu tempo livre no bar do hotel Meliá, em Brasília, fumando alguns charutos cubanos acompanhados de vinte doses de uísque Ballantines 30 anos, R$145 a dose. Portanto, só em uísque o representante do povo gastou R$2.900, ou mais de sete salários mínimos, em algumas horas. No mundo real, seria no mínimo imoral que um representante do povo gastasse, numa happy hour (very happy, pelo visto), uma soma sete vezes maior que o salário de boa parte do povo que representa. Mas não esqueça, leitor, que não estamos no mundo real. Não critico o uso que um deputado possa fazer do seu salário. Critico a bizarra desigualdade de um país em que o salário mínimo não paga nem três doses do uísque bebido pelos parlamentares. Nessa comparação, senhor Chinaglia, os deputados ganham demais, sim.

Outro episódio do conto de fadas sem fadas saiu em todos os órgãos da Imprensa, com exceção das revistas de fofocas e dos jornais sensacionalistas. O presidente de Pindorama criou, por canetaço, o Ministério para Ações de Longo Prazo, uma quimera que ninguém do Governo sabe explicar para que serve, a não ser para onerar ainda mais os cofres públicos. Trivial, em se tratando do País das Maravilhas. Mas, uma vez mais, a sacada genial dessa fábula veio depois, com o anúncio do nome do ministro da nova pasta: o Prof. Roberto Mangabeira Unger, de Harvard, um brasileiro tão brasileiro que mal sabe falar português. O mesmo Mangabeira que, em 2005, declarou que o Governo Lula é o mais corrupto de todos os tempos e exigiu que os deputados pedissem o impeachment do ex-operário. No mundo real, depois de uma declaração dessas, qualquer professor de Harvard que fosse convidado para integrar o governo que criticou com tanta veemência desafiaria o presidente para um duelo de pistolas ao amanhecer. O bom Mangabeira não desafiou Lula para o duelo. Ele aceitou o convite, e passará a fazer parte do mesmo governo que afirmou ser o mais corrupto de todos os tempos. O absurdo também é uma forma de arte.

Em qualquer lugar do mundo real, todos esses episódios embasbacantes seriam de um ridículo só encontrado na Literatura. Por aqui, essa crônica do absurdo é a imagem do que acontece todos os dias, um mundo de fábula em que ninguém parece perceber ou se importar com tais acontecimentos. E, enquanto a maioria de coadjuvantes nem sabe que está pagando o pato, os vilões vivem felizes para sempre.

2 comentários:

Anônimo disse...

que ironia

depois o Cara quer ir viver embaixo da ponte do rio Waal em Amsterdã, somente com um violão e uma dúzia de livros, e a maioria das pessoas não sabe o "porquê".

"Brasil, meu Brasil brasileiro
Meu mulato inzoneiro
Vou cantar-te nos meus versos
O Brasil, samba que dá
Bamboleio que faz gingá
O Brasil do meu amor
Terra de Nosso Senhor
Brasil! Brasil!
Prá mim... prá mim..."
Aquarela do Brasil
Ary Barroso (1939)

Anônimo disse...

Sem comentários.... É brabo....