21 fevereiro 2007

SIMULÃO DO VESTIBULAR PARLAMENTAR

A democracia representativa mostrou-se incapaz de nos arranjar bons governantes. Já está mais do que na hora de sofisticarmos um pouquinho o processo democrático: proponho que os nossos congressistas, uma vez eleitos, só sejam empossados depois de aprovados num Vestibular Parlamentar. E que os reprovados sejam declarados inelegíveis por pelo menos duas eleições.

As perguntas do Exame Parlamentar poderiam ser mais ou menos assim:

(FAÇA A PROVA, LEITOR, E TESTE AS SUAS CHANCES DE CONCORRER A UM CARGO ELETIVO)

1) Quantas pessoas o salário mínimo pode sustentar?
a) Nenhuma.
b) Uma.
c) O que é salário mínimo?
d) Não conheço ninguém que ganhe tão pouco.
e) Quatro pessoas, mas só por um dia.

2) Quando acaba o dinheiro do salário (lá pela segunda semana do mês), que gastos você corta até a entrada do próximo pagamento?
a) Você deixa de comer até o fim do mês.
b) Você passa a ir a pé para o trabalho todos os dias.
c) Você deixa de pagar as contas de água e luz.
d) Você não paga uma das 12 prestações da sua TV de 20''
e) Quem disse que o dinheiro acaba?

3) Quais as opções de vida para um jovem da favela?
a) Ser aviãozinho de traficante.
b) Vender chicletes no sinal vermelho a vida inteira.
c) Estudar, trabalhar e passar a vida ganhando salário mínimo.
d) Fazer um monte de filhos, para ganhar mais dinheiro do Bolsa- Família.
e) Não creio que se possa chamar aquilo de Vida.

4) Quanto tempo o brasileiro precisa trabalhar a cada ano, para pagar os impostos?
a) Cinco meses.
b) Seis meses.
c) Sete meses.
d) Imposto não se paga; sonega-se.
e) Por mim, tanto faz. Eu não trabalho.

5) Por que alguém se torna deputado?
a) Para ser a expressão da vontade do povo.
b) Para ganhar um salário de 13 mil.
c) Para ganhar um salário de 13 mil, mais 3 mil mensais de auxílio-moradia.
d) Para ganhar um salário de 13 mil, 3 mil de auxílio-moradia e mais 4,2 mil mensais para cota de gastos com caixa postal e telefonia..
e) Para ganhar um salário de 13 mil, 3 mil de auxílio-moradia, 4,2 mil mensais para cota de gastos com caixa postale telefonia e passagens aéreas de graça para “visitar as bases”, sem falar da imunidade parlamentar.

6) A quem um congressista deve lealdade?
a) Ao povo.
b) A si mesmo.
c) Ao partido.
d) Aos financiadores da campanha.
e) Ao Capital Transnacional.

7)Qual dessas alternativas apresenta atitudes próprias de um bom congressista?
a) Aprovar gordos aumentos de salário para o Legislativo.
b) Comparecer às sessões e votar projetos que melhorem a vida do povo.
c) Cobrar propinas de empresas que participam de licitações.
d) Usar uma moto-serra para cortar ao meio os desafetos.
e) Participar de surubas pagas com dinheiro público.

8) Quantos reais cabem numa valise de tamanho médio?
a) Só transporto dólares.
b) Em notas de 100 ou de 50?
c) Está ficando arriscado usar valises. Melhor rechear os brinquedos das crianças.
d) Não tenho tanto dinheiro assim.
e) Não trabalho com dinheiro vivo. Favor depositar em minha conta nas Cayman.

9) O que acontece a um ladrão de galinhas que é preso?
a) Vira mulherzinha da cela inteira.
b) É usado como refém e acaba morto numa rebelião de presos.
c) Morre de tuberculose.
d) Aprende a traficar, assaltar bancos, clonar celulares e matar a sangue frio.
e) Por que me preocupar com isso? Eu tenho imunidade.

10) Quanta gente cabe num metro quadrado de ônibus urbano?
a) Quatro pessoas.
b) Oito pessoas.
c) Em horário de pico, infinitas pessoas.
d) Depende do tamanho das pessoas.
e) Não sei, nunca entrei num ônibus.

GABARITO:
Tudo é relativo, dizem os físicos quânticos e os filósofos franceses pós-modernos. Na verdade, os únicos critérios de aprovação no Vestibular Parlamentar são a quantidade e o valor das cédulas de dólar que o pretendente ao cargo grampeia na seção intitulada “Anexos.”

20 fevereiro 2007

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE SAMBA

Afirmam os entendidos que, no exterior, a imagem do Carnaval funde-se com a imagem do Brasil. Somos reconhecidos mundialmente como o “país do Carnaval”, com todos os predicados que tal título contém: mulatas seminuas (o “semi” é um eufemismo), noitadas embaladas por samba e marchinhas, muito álcool na corrente sangüínea e toda a celebração sexual resultante da soma desses fatores. Nos dias que passamos sob o reinado de Momo, basta olhar a primeira página dos jornais ou acessar os principais portais da internet para constatar que, a julgar pelas manchetes e pelas fotos, é mesmo verdade: somos o país do Carnaval.

Neste caso, sou um brasileiro atípico, um estrangeiro em minha própria terra: não suporto o Carnaval. Odeio-o a ponto de passar todos esses dias entrincheirado dentro de casa, com suprimentos extras de comida, bebida, livros e dvd’s. E já passou pela minha cabeça construir em torno do meu prédio um fosso com crocodilos, para que seja mais completo o meu isolamento dos foliões ensandecidos.

De dentro do meu bunker à prova de Carnaval, o Ninho da Águia, posso contemplar o fenômeno a partir de fora e fazer algumas ponderações (um tanto quanto preconceituosas, é verdade) sobre o festejo que pára o Brasil uma vez por ano.

Pra começo de conversa, quando, como e por que surgiu o Carnaval? Festejos semelhantes acontecem em quase todas as sociedades desde tempos imemoriais, com destaque para as colossais orgias greco-romanas em honra ao seu deus mais sacana: Dionísio para os gregos e Baco para os romanos. O Carnaval na data em que o conhecemos surgiu na Idade Média, por obra da Igreja, quando foi estabelecido o período da Quaresma. Esses quarenta dias antes da Páscoa eram marcados por jejuns e penitências muito rigorosas, e por isso o Carnaval era a grande festa de despedida dos prazeres da carne, antes da grande abstinência que viria (é por isso que alguns etimólogos insistem que o nome “Carnaval” vem de “carne levare”, ou seja, “afastar a carne”). Bem, o que vou dizer é apenas uma suposição, e de qualquer modo uma suposição tendenciosa, mas duvido que um em cada dez foliões que lotam as ruas saiba o que é a Quaresma e para que serve. A Páscoa, entretanto, todos conhecem: é aquele dia mágico em que os coelhos botam ovos. De chocolate.

Se ninguém, com exceção dos cristãos mais empedernidos, jejua na Quaresma, pra que mesmo se comemora o Carnaval? Para extravasar, embriagar-se, ouvir música, gritar, pular, dançar, fazer loucuras e achar sexo fácil? Bem, isso é o que o brasileiro médio faz o ano inteiro.

O motivo, então, de tanta festa, deve ser a comemoração. Comemoração de quê? Estamos comemorando a corrupção institucionalizada, a impunidade crônica, o buraco negro nas contas da Previdência? Comemoramos a violência urbana que nos impede de sentar calmamente num banco de praça? Comemoramos o corte de bilhões de reais do orçamento da saúde, a educação básica que não ensina, as estradas esburacadas, o salário mínimo vergonhoso, o lixo em que se tornou a cultura?

O leitor corajoso que chegou até aqui deve estar me achando mais um chatonildo azedo e rabugento que não come ninguém, mas, acredite: tenho um bom motivo para escrever tudo isso. Eu pretendia, sinceramente, respeitar o Carnaval e os foliões. Mas hoje, uma terça-feira chuvosa, saí sorrateiramente do Ninho da Águia e, com muita cautela, esgueirei-me até o supermercado para comprar um pão. Ao chegar lá, o estabelecimento estava fechado! Fechado! E por quê? Porque é Carnaval! Foi a gota d’água. Tudo bem ficarem saracoteando e suando e se esfregando pelas ruas ao som de música ruim, mas me deixar sem café da manhã por causa disso... é golpe baixo!

14 fevereiro 2007

LINHAS CORTADAS

Deu no Terra: a Câmara dos Deputados decidiu que, a partir de agora, portar e usar celular dentro de presídio é crime. Hediondo.

Como todos sabem, ninguém nesse país entende mais de crime hediondo e de impunidade do que os nossos excelentíssimos deputados, donde conclui-se que isso não vai dar em nada.

Os celulares continuarão entrando nos presídios, os presidiários continuarão usando-os para controlar o tráfico do lado de fora ou para dar golpes à distância, os agentes penitenciários continuarão dizendo que não sabem de nada, os secretários de segurança continuarão fingindo que estão combatendo a criminalidade e os meninos do Morro continuarão entrando no crime ao invés de ter uma vida honesta e passar o resto dos seus dias vendendo rapaduras no semáforo. Os deputados continuarão aprovando leis cada vez mais duras contra o crime organizado e o povo continuará votando nesses mesmos deputados, ou nos seus filhos e netos.

Essa cadeia de acontecimentos só será detida no dia em que as cadeias brasileiras deixarem de ser o que são – pra começar, no dia em que os políticos corruptos forem mandados pra lá. O problema da violência, do crime e da impunidade não foi gerado pela falta de leis, mas sim pelo não cumprimento das existentes.

11 fevereiro 2007

VÊM AÍ MAIS CHALEIRAS ATÔMICAS

Depois dos bilhões já investidos na construção das Usinas Nucleares de Angra 1 e Angra 2 (e na não-construção de Angra 3), o Governo Lula pretende construir mais seis chaleiras aquecidas por combustível radioativo. Deu no Estadão e no Terra.

Convenhamos, uma tremenda burrice. Com um colossal potencial para produção de energia solar e eólica (energias limpas), o nosso governo prefere investir num modelo anacrônico e ultrapassado, com muitos custos desnecessários (o custo monetário elevado, o custo do risco ambiental extremo e o custo dos norte-americanos pegando no nosso pé através da Agência Internacional de Energia Atômica, por causa das nossas ultracentrífugas).

Segundo o Estadão, o governo espera que em 2030 as centrais nucleares estejam produzindo, juntas, 4 mil megawatts de energia. Para efeitos de comparação, a Usina Solar de Gottelborn, na Alemanha, produzirá, sozinha, mais de 8 mil megawatts assim que estiver concluída.

Em tempo: por falar em energia, Bush acaba de lançar o seu "Pró-Álcool". Sim, o soberano do Sacro Império Texano do Petróleo decidiu reduzir o consumo de gasolina investindo numa nova matriz energética: o álcool etanol produzido a partir do milho. E o Brasil, pioneiro na fabricação de álcool há décadas, perdeu a chance de agora se tornar o líder mundial na exportação do novo combustível, depois de sepultar o Pró-Álcool ao deixá-lo nas mãos dos usineiros.

10 fevereiro 2007

COISAS DA VIDA

Da série Resenhas Tardias ou: "Por que diabos eu só fui ler isso agora?"

Abri Matadouro 5, de Kurt Vonnegut, pensando ter em mãos um livro sobre o bombardeio de Dresden. Tendo lido outras obras do autor, eu esperava uma descrição tipicamente vonnegutiana dos horrores da guerra, em especial a destruição da cidade aberta alemã por bombas incendiárias, já no fim da Segunda Guerra Mundial, mas o que encontrei, ao invés disso, foi uma reflexão tipicamente vonnegutiana sobre a vida, a morte, o tempo e também a guerra.

A história de Matadouro 5 é a história de Billy Pilgrim, um ex-quase-assistente-de-capelão-militar que, depois de sobreviver ao inferno da “tempestade ígnea” (um brinde aos puristas!) em Dresden, volta para os EUA e enriquece como optometrista e golpista do baú, sendo de quebra abduzido por sábios e depravados alienígenas do planeta Tralfamador. A história da vida de Billy é contada de um modo inusitado: todos os momentos são narrados ao mesmo tempo, pois Billy “soltou-se no tempo,” adquirindo o maravilhoso dom de viajar pela escala temporal num piscar de olhos.

Vonnegut se usa dos tralfamadorianos para mostrar a Billy (e ao leitor) o seu modo de ver a vida: um mosaico de momentos únicos e infinitos. Para o povo de Tralfamador, cada vivência é eterna como eterno é um inseto aprisionado no âmbar. Nesse sentido, a morte não é uma tragédia, mas uma etapa da vida, incapaz de denegrir os bons momentos vividos.

Billy Pilgrim pode parecer à primeira vista um dos personagens mais estúpidos e sem sal da história da Literatura. Seu modo de viver a vida, entretanto, revela ser bastante tralfamadoriano: ele apenas a vive. Ao longo dos vaivens de Billy pelo tempo, Vonnegut tece uma colcha de retalhos com preciosos e sábios comentários sobre os mais variados temas, sempre com um apuradíssimo senso de humor (negro), em prosa lírica.

Citando o resumo da obra feito pelo próprio autor, o romance “começa assim:
‘Escute:
Billy Pilgrim soltou-se no tempo.
Termina assim:
Piu piu piu?’”

Entre esse início e esse fim, passeios pelo tempo, viagens interestelares, sexo numa jaula de zoológico, acidentes de avião, possíveis enredos para livros de ficção científica, a verdade sobre o fim do universo e o modo como os garimpeiros de Dresden encontraram minas de cadáveres depois que uma chuva de fogo transformou a cidade na superfície da Lua. Coisas da vida.

Ah, e se algum dia vocês passarem por Cody, Wyoming, perguntem por Bob Indômito.

06 fevereiro 2007

BRASÍLIA: A CARA DO BRASIL

Um dos passatempos preferidos de todo brasileiro é ficar imaginando diferentes maneiras de destruir Brasília, ou pelo menos a sua área administrativa. De marretas a bombas atômicas, passando pela chuva de enxofre, cada um acredita ter encontrado o modo mais eficaz - ou o mais divertido - de acabar com aquela Ilha da Fantasia e resolver de vez os problemas do Brasil.

No imaginário popular, a sede da administração federal - em especial, o Congresso Nacional - é um símbolo do que o nosso país tem de pior. Um sindicato do crime oprimindo todo um povo, uma maçã podre contaminando o cesto inteiro, uma corja sem a qual tudo funcionaria: sem eles, a saúde e a educação teriam recursos, os bueiros não entupiriam, o sertão viraria mar e o Roberto Carlos não ficaria ajeitando as meias na grande área durante uma cobrança de falta.

Ao apontar os políticos como culpados pela situação lamentável em que nos encontramos, os acusadores esquecem de fazer a si próprios a seguinte pergunta: de onde vieram esses corruptos? Serão eles alienígenas oriundos do planeta Maracutaia, que um dia aterrisaram nesta terra de ingênuos e implantaram sua cleptocracia? Não terão eles nenhum “parentesco moral” com o povo que representam?

Nem é preciso um grande estudo sociológico (basta observar um pouco as pessoas à nossa volta) para constatar que o político médio brasileiro não é muito diferente do cidadão médio que o elegeu. Brasília é a cara do Brasil. Um povo corrupto só pode gerar um Congresso corrupto. Em maior ou em menor grau, os brasileiros praticam atos de corrupção o tempo todo.

Quem não conhece alguém que usa comprovante de endereço falso para receber benefícios a que não tem direito? Isso é um tipo de corrupção (pra não chamar de “roubo”), mas o senso comum decidiu chamar de “esperteza”. Quem não conhece alguém que põe o nome da mãe como dependente no formulário do Imposto de Renda, para pagar menos à Receita? Corrupção? Não, a culpa é transferida para o Leão do IR, que tem fome demais. O cobrador de ônibus se engana na contagem do troco e dá dinheiro a mais para o passageiro. No Brasil, quem se dá conta do engano do cobrador e lhe devolve o dinheiro é chamado de “otário”. Ficar com esse dinheiro, que depois será descontado do salário do cobrador, não é corrupção: é “senso de oportunidade.” Um microônibus com vários menores de idade volta de um passeio. A Polícia Rodoviária o manda parar, numa verificação de rotina, e constata que aqueles menores não têm o bilhete de autorização assinado pelos pais. Logo, eles não podem seguir viagem. O que acontece? Os policiais e o motorista acertam o preço (duzentos reais) e o micro vai embora numa boa. Corruptos e corruptor? Não. São apenas brasileiros normais removendo um obstáculo legal.

Não inventei nenhum desses casos. Eu vi tudo isso acontecer. No caso do micro, eu estava lá dentro, observando tudo. Imagino que haja outros milhares de exemplos possíveis. No país regido pela Lei de Gérson, inventar maneiras de se dar bem burlando a lei é algo chamado “criatividade.” Claro que todos esses corruptos cotidianos têm desculpas muito boas para justificar os seus atos, mas os grandes corruptos governamentais também devem conhecer umas justificativas excelentes.

Foi Augusto Comte quem disse que “cada povo tem o governo que merece.” No Brasil, a frase cai como uma luva. É por isso que destruir Brasília não resolveria o problema da corrupção. Os políticos corruptos só deixarão de ser regra para se tornar a exceção (e só serão devidamente punidos) quando o “otário” que devolve o troco a mais também deixar de ser exceção para se tornar a regra.