(e danem-se os agás, preciosistas de meia-pataca!)
Os ecceomos eram, sem dúvida alguma, um tipo singular de animal, dentre tantos os que povoavam os desertos de Kubrickland.
A maioria das espécies que lá viviam ocupavam dois terços do seu dia procurando comida. O outro terço era preenchido pela fuga e/ou enfrentamento com predadores e o terço final era prazerosa ou desprazerosamente ocupado pelas atividades de procriação (e o fato de o seu dia possuir quatro terços não é nenhum absurdo se levarmos em conta que o excesso de atividades de sobrevivência não dava a esses pobres animais tempo livre suficiente para desenvolver uma Matemática).
Os ecceomos, depois de uns bons anos de Evolução, não precisavam mais gastar tanto tempo com a manutenção da própria sobrevivência, pois alguns dos mais inventivos representantes da espécie tiveram um dia (ao som de Strauss) a bela idéia de usar paus e pedras e ossos para bater em outros animais até que eles tombassem e pudessem ser esquartejados para virar alimento. Os paus e pedras e ossos também foram de grande serventia para espantar os predadores e para resolver os litígios causados pelas necessidade de acasalamento, e tudo isso deu ao ecceomo médio muito tempo livre para pensar em outras coisas - como, por exemplo, maneiras de deixar os paus e pedras e ossos cada vez mais afiados.
Com o uso dos paus e pedras e ossos para matar outros animais e outros ecceomos, o ecceomo deixou de ser um animal normal para ser um animal cultural.
O ecceomo criou a cultura e a cultura criou o ecceomo.
O enorme tempo livre e o sentimento de invencibilidade permitiram que ele se espalhasse por outras terras, criando ferramentas cada vez mais sofisticadas, desenvolvendo idéias, teorias e conceitos cada vez mais abstratos, pintando nas paredes das cavernas e catedrais figuras cada vez mais estranhas, desintegrando o átomo e criando blogues engraçadinhos pra pensar questões alheias aos outros animais.
O ecceomo está impregnado de cultura. Quando um filhote dessa espécie nasce, ele é mergulhado nesse caldo (o caldo cultural) e passa a beber e nadar e produzir bolhas nessa piscina de cultura. Tudo que ele vive e sonha e imagina e inventa e constrói e destrói acaba agregando mais e mais cultura a essa cultura. É cultura se reproduzindo e se modificando e criando mais cultura, que é sempre a mesma cultura apesar de ser sempre uma nova cultura.
É isso que faz dessa espécie animal uma espécie tão admirável e tão detestável.
O ecceomo criou a cultura. E a cultura criou o homem.
E no final, o Dave Bowman voltou a ser um bebê e a platéia nada entendeu, apesar de a resposta ser tão simples.