23 julho 2007

RELIGARE

Afirmam os religiosos e os filólogos que o termo RELIGIÃO vem de RELIGARE, re-ligar, unir de novo o que foi separado. No caso (e aqui apenas os religiosos continuam especulando, pois os filólogos saíram pra beber e inventar trocadilhos engraçadinhos), trata-se de unir de novo o humano e o divino, o terreno e o celestial, o material e o imaterial, o concreto e o místico. Um belo conceito, devo dizer. Si non è vero, è bene trovato.


Quando crianças, aprendemos que existe um Papai do Céu de barba branca, que usa vestido e ouve tudo que dizemos, vê tudo que fazemos (mesmo quando apagamos a luz do banheiro), conhece de cor o nosso passado e, pasmem, o nosso futuro. Aprendemos que esse Papai do Céu é muito bondoso e compreensivo, mas não hesitará em nos jogar no fogo eterno se ousarmos perder a missa, comer carne na Sexta-feira Santa ou espiar as meninas tomando banho de sol. Sim, um cretino, mas que dá todas essas ordens para o nosso bem.


Depois que crescemos, ficamos orgulhosíssimos da nossa genialidade ao dizer em alto e bom som que não acreditamos em Deus e que o Altíssimo, seu Filho e toda a Corte Celestial são: a) uma invenção do sistema opressor para alienar as cabecinhas ocas do proletariado e perpetuar a opressão; ou b) uma artimanha deveras lucrativa de um bando de matutos que tiram até o último centavo das pobres viúvas em nome de Deus. E nós, que desmascaramos os farsantes, somos muito espertos!


Será?


Sim, há instituições religiosas que colaboram para legitimar a exploração do homem pelo homem. É um argumento excelente dizer aos pobres que eles devem suportar o seu sofrimento e, mais que isso, ter orgulho da própria pobreza para merecer a Salvação Eterna.

Sim, há instituições religiosas que lucram com a fé e o desespero das pessoas simples de coração. Há padres católicos que vivem como príncipes nababos às custas das doações. Há aviões que sobrevoam o país com malas cheias de dinheiro de ofertas e dízimos pagos a lobos travestidos de pastores.


Mas a nossa investigação do conceito de religião deve ser menos ingênua, mais radical e mais profunda. É perigoso ou pretensioso fazer afirmações universalizantes baseadas em casos particulares.


Para começo de conversa (sim, estamos apenas começando, leitor... mas você terá que ler até o fim se quiser ir para o céu), seria interessante perguntarmos: se a religião é só um mecanismo de controle ou um negócio rentável, por que raios os bilhões de fiéis mordem a isca ao invés de irem fazer um monte de coisas prazerosas e proibidas?


E a resposta, não é novidade, é: porque o homem é mortal.


Em algum lugar da sua caminhada evolutiva (seja ela resultado de um boneco de barro criado por Deus ou produto do egoísmo dos genes), o Homo sapiens deu-se conta da própria mortalidade. E entrou em desespero.


Depois de alguns suicídios (ainda não tinham inventado a Psicanálise e nem a Auto-ajuda), o fim da vida passou a ser visto como o começo de uma nova vida: a vida após a morte. O homem, esse egoísta incorrigível, não se conforma com a morte. Ele quer continuar vivendo. De preferência, em um Paraíso com rios de vinho e virgens à disposição. A religião, ao prometer a vida eterna, veio ao encontro dessa necessidade do homem de vencer a morte.


Além disso, o surgimento da racionalidade levou o homem a perguntar não apenas como ou onde, mas também por quê. O senso comum e a "ciência" nascente responderam algumas dessas questões, mas de repente se começou a buscar respostas para o maior porquê de todos: o porquê da Vida, o porquê da Morte, o porquê de Tudo.


A Religião foi apenas uma das respostas para essa pergunta. O místico surgiu como uma tentativa de explicação do que ainda não foi explicado - e talvez nunca venha a ser. O homem passou a supor e depois passou a crer em entidades imateriais, sobrenaturais, divinas. Seres superiores que criaram tudo que existe e que, de vez em quando, interferem no destino das coisas criadas, só de sacanagem. Agradar esses seres tornou-se uma obrigação, para obter a bênção divina. E assim surgiram as preces, as cerimônias, as cosmogonias, as danças rituais e, claro, as guerras santas.


O fenômeno religioso, essa busca por conexão com o imaterial, está presente em todas as culturas. Todos os povos do mundo têm seus deuses, seus orixás, seus kamis, seus cultos, seus karmas. Os marxistas fingem que não participam disso mas adoram o Partido quando ninguém está olhando.


Essas tentativas de religação com o transcendente nem sempre são alienantes ou exploratórias. Pessoalmente, acho linda a religiosidade dos povos indígenas americanos, a sua busca de contato com o cosmo, o culto e o respeito à natureza como forma de comunhão com o universo. É uma manifestação do fenômeno religioso que deriva em uma ética do cuidado e do amor. Algo tão em falta na nossa sociedade decadente e auto-destrutiva, mas que ainda se orgulha da própria auto-suficiência e do próprio ateísmo.


Em tempo: quando preencho algum questionário, respondo “Agnóstico” no campo entitulado “Religião”.

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