20 fevereiro 2007

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE SAMBA

Afirmam os entendidos que, no exterior, a imagem do Carnaval funde-se com a imagem do Brasil. Somos reconhecidos mundialmente como o “país do Carnaval”, com todos os predicados que tal título contém: mulatas seminuas (o “semi” é um eufemismo), noitadas embaladas por samba e marchinhas, muito álcool na corrente sangüínea e toda a celebração sexual resultante da soma desses fatores. Nos dias que passamos sob o reinado de Momo, basta olhar a primeira página dos jornais ou acessar os principais portais da internet para constatar que, a julgar pelas manchetes e pelas fotos, é mesmo verdade: somos o país do Carnaval.

Neste caso, sou um brasileiro atípico, um estrangeiro em minha própria terra: não suporto o Carnaval. Odeio-o a ponto de passar todos esses dias entrincheirado dentro de casa, com suprimentos extras de comida, bebida, livros e dvd’s. E já passou pela minha cabeça construir em torno do meu prédio um fosso com crocodilos, para que seja mais completo o meu isolamento dos foliões ensandecidos.

De dentro do meu bunker à prova de Carnaval, o Ninho da Águia, posso contemplar o fenômeno a partir de fora e fazer algumas ponderações (um tanto quanto preconceituosas, é verdade) sobre o festejo que pára o Brasil uma vez por ano.

Pra começo de conversa, quando, como e por que surgiu o Carnaval? Festejos semelhantes acontecem em quase todas as sociedades desde tempos imemoriais, com destaque para as colossais orgias greco-romanas em honra ao seu deus mais sacana: Dionísio para os gregos e Baco para os romanos. O Carnaval na data em que o conhecemos surgiu na Idade Média, por obra da Igreja, quando foi estabelecido o período da Quaresma. Esses quarenta dias antes da Páscoa eram marcados por jejuns e penitências muito rigorosas, e por isso o Carnaval era a grande festa de despedida dos prazeres da carne, antes da grande abstinência que viria (é por isso que alguns etimólogos insistem que o nome “Carnaval” vem de “carne levare”, ou seja, “afastar a carne”). Bem, o que vou dizer é apenas uma suposição, e de qualquer modo uma suposição tendenciosa, mas duvido que um em cada dez foliões que lotam as ruas saiba o que é a Quaresma e para que serve. A Páscoa, entretanto, todos conhecem: é aquele dia mágico em que os coelhos botam ovos. De chocolate.

Se ninguém, com exceção dos cristãos mais empedernidos, jejua na Quaresma, pra que mesmo se comemora o Carnaval? Para extravasar, embriagar-se, ouvir música, gritar, pular, dançar, fazer loucuras e achar sexo fácil? Bem, isso é o que o brasileiro médio faz o ano inteiro.

O motivo, então, de tanta festa, deve ser a comemoração. Comemoração de quê? Estamos comemorando a corrupção institucionalizada, a impunidade crônica, o buraco negro nas contas da Previdência? Comemoramos a violência urbana que nos impede de sentar calmamente num banco de praça? Comemoramos o corte de bilhões de reais do orçamento da saúde, a educação básica que não ensina, as estradas esburacadas, o salário mínimo vergonhoso, o lixo em que se tornou a cultura?

O leitor corajoso que chegou até aqui deve estar me achando mais um chatonildo azedo e rabugento que não come ninguém, mas, acredite: tenho um bom motivo para escrever tudo isso. Eu pretendia, sinceramente, respeitar o Carnaval e os foliões. Mas hoje, uma terça-feira chuvosa, saí sorrateiramente do Ninho da Águia e, com muita cautela, esgueirei-me até o supermercado para comprar um pão. Ao chegar lá, o estabelecimento estava fechado! Fechado! E por quê? Porque é Carnaval! Foi a gota d’água. Tudo bem ficarem saracoteando e suando e se esfregando pelas ruas ao som de música ruim, mas me deixar sem café da manhã por causa disso... é golpe baixo!

6 comentários:

Carolina Chalfun Mainoth disse...

Com relação à sua crítica feita à comemoração da nossa estupidez, concordo plenamente . Já se perdeu a essência do que o carnaval representa , em virtude de uma comemoração vazia do sexo e da fartura de bebidas alccólicas , blá, blá, blá .
No entanto, não podemos deixar de lado o que , um dia, o carnaval representou, e que, até hoje meia dúzia de gatos pingados tentam preservar : apesar de ser uma festa de essência cristã devido à quaresma, e tal (como vc mesmo explicou) , o melhor do nosso carnaval está se perdendo . Deveríamos preservar o nosso samba cadenciado , e tudo o que ele figura : a força e a beleza de um povo.
Mas ... o que fazer se, agora, qualquer bloco, coreto ou clube festeja o carnaval ao som de funk e axé ? ecaaaaaaaaaaaaaaaa
me tirem daquiiiiiiiiiii
rsrsrsrsrsrrs

Rita Canselmi disse...

Como o 'brasileiro' era aquele profissional que trabalhava na extração/armazenagem do pau-brasil, ainda hoje, quem nasce nesta terra, não tem identidade nacional, então a origem do carnaval se perdeu como dos últimos dias que se podia comer carne antes da procriação das caças, pois hoje podemos comprar, no açougue, carnes variadas, congeladas há meses, até, inclusive as de caça.
Não comemoro o carnaval, também, procuro arrumar minha casa, minhas coisa, para começar ou continuar meus projetos, mas louvo os carnavalescos que tornam até didático, o trabalho de pesquisa, organização e concretização de um tema a ser mostrado na avenida, e os corpos e almas sedentos de sexo representam o perfil desesperador de uma raça em iminente extinção, sem nunca ter existido de fato: os brasileiros.
É um apelo ao nascimento, pela pureza de corpo e alma e pelo pecado dos mau intencionados, da Raça Brasileira.

Anônimo disse...

Eu felizmente nada tenho contra o carnaval. Jamais fui adepta da festa, mas hoje em dia eu respeito.
Não há bem o que comemorar - nem no Brasil, nem em lugar algum -, mas os feriados como o carnaval são bons, e, por mais vazios de significado que sejam, servem para levantar o moral dos trabalhadores e das pessoas que têm uma rotina cheia de papelada, clientes reclamões, crianças insatisfeitas e um cônjuge igualmente estressado.
E quanto ao pão... Concordo plenamente! Eu estava ainda no supermercado quando ele começou a fechar, ontem à noite, e achei estranho, já que não era hora de fechar. Aí ainda lembrei de comprar um pão para comer hoje de manhã. =P

Anônimo disse...

Ah, Edu, tu é meu rei! Sério... Eu, a princípio, fiquei indignada com o carnaval desse ano, porque não teria muito o que fazer. Todos os anos, aliás, ficava irritada com o carnaval porque era aqui ao lado de casa e a escola de samba dava um show particular na sala da minha casa durante todas as noites... Ótimo pra dormir. Depois que passaram pro Porto Seco, a coisa ficou mais tranqüila, mas ainda temos o "toque-de-recolher" imposto silenciosamente, como um acordo mútuo entre os que querem permanecer vivos e com todos os seus pertences até depois do feriadão e os assaltantes foliões que se reproduzem esponencialmente nessa época do ano [sim, no carnaval até mesmo ladrões se multiplicam...].

Esse carnaval tive a oportunidade de passar em uma zona mais afastada e me divertir com amigos. Entretanto, fomos barrados algumas vezes pelo problema de estabelecimentos fechados por causa do feriado... Era preciso fazer toda uma acrobacia com os horários pra conseguir encontrar ao menos UM supermercado aberto... O texto ficou perfeito... Não acrescentaria mais nada, apenas o comentário: Edu, tu é meu rei.

Anônimo disse...

Muito bom teu texto. Eloqüente, o que é o mais importante.

De qualquer forma, apesar de eu ter passado todo o feriadão de Carnaval recluso, em casa, participando de centenas de batalhas de War, não concordo contigo. Acho que o Carnaval é um período único, em que o brasileiro pode fazer festa, sair pulando, gritando, bebendo e festejando. Como você mesmo disse, o país está atolado em corrupção, o Orçamento da União é mal distribuído e o diabo-a-quatro. Justamente por isso acho que vale a pena comemorar, para, em pelo menos 4 dias do ano, ignorarmos as tragédias que nos afligem nos demais 361 dias.

E não vou entrar no mérito de que aumentam os números de acidentes, de mortes violentas, de agressões, etc., porque pessoas inconseqüentes não devem ser vistas como retrato perfeito da sociedade.

:0)

Abraços do Marcio

Anônimo disse...

Tudo é relativo!
Se a cara do Brasil é o carnaval, por que não falar, por exemplo, da corrupção e do turismo sexual? Imagine a situação: em plena semana, vc vai a um órgão público e dá de cara com a porta fechada, ao menos o dono da padaria tinha essa liberdade de fechar ou não seu estabelecimento.
Entretanto há de se concordar sobre o que vem sendo o carnaval: suor,mulheres nuas,bebida e sexo, mas tormar isso absoluto eu estaria indo contra os meus princípios de foliã. Desde criança brinquei o carnaval, e meus pais sempre me acompanharam. Era um momento de diversão, de fantasia...havia um lúdico inexplicável e durante os bailes em clubes, fomos (eu e meus irmãos) aprendendo também sobre responsabilidade e segurança ao estar no meio de muitas pessoas.Foi assim que cresci vendo o que era carnaval, a família em torno de uma brincadeira e é isso que passo a minha filha, não como uma festa mundana!
Aqui temos um grupo de amigos em q todo ano saimos para uma cidade em busca, sobretudo de união! São crianças, jovens e adultos todos unidos durante o carnaval, alojados em uma única casa. Há bebida, para os que dela podem fazer uso, diversão, mas sobretudo amizade, calor humano, respeito e trabalhamos com o saber compartilhar, tolerar, conviver com o outro de forma pacífica.E assim todo ano o grupo cresce, porque cada um vai levando mais alguém e saimos do carnaval renovados pela satisfação e alegria com que administramos a brincadeira!
De fato para alguns o carnaval tem sido sinônimo de esbórnia, mas generalizar é demais.